quinta-feira, 27 de maio de 2010

Michel Bastos supera drama de família para brilhar na seleção

No braço direito, a homenagem. Uma tatuagem com o nome do irmão gêmeo, Daniel, morto em um atropelamento. Michel Bastos tinha 4 anos e presenciou a cena. Os dois brincavam na rua na hora da tragédia. A ferida demorou a cicatrizar. Não só no lateral-esquerdo, mas em toda a família.

- A gente vivia em um apartamento. E eu saí para passear com eles. Estava em frente ao prédio. E uma amiga parou para conversar comigo. Eles foram para o outro lado para brincar. E do nada apareceu o carro do vizinho. O Daniel desceu a calçada e saiu correndo para a rua. Do nada. Tudo mudou. Passamos por uma crise. Não há dor maior no mundo do que perder um filho. Para o Michel não foi fácil. Eles não precisavam de outras crianças para brincar. Eles só brincavam entre si. Tenho certeza de que até hoje o irmão está sempre com ele. Ele não conseguiu esquecer - lembra, emocionada, Elizabete Fernades, mãe de Michel Bastos.

A morte abalou o pai Argeu Madruga Bastos. Jogador do Brasil de Pelotas, ele resolveu largar a carreira. Quase entrou em depressão.

- Foi da noite para o dia. Não teve algo de se preparar. E aí eu passei um momento muito difícil. Então eu optei por parar. E graças a Deus hoje tenho o maior orgulho de dizer que o Michel é hoje tudo aquilo que eu tentei ser um dia. Ele é uma parte de mim que foi embora. E onde ele está, ele está torcendo pelo irmão. Porque o Michel tem uma estrela muito grande. Todas as dificuldades que o irmão enfrentou ele consegue forças para superar.

Michel Bastos pensa no irmão como um anjo da guarda. Foi difícil superar o trauma.

- Tinha apenas 4 anos e presenciei tudo. Vi a hora em que meu irmão foi atropelado. Marcou muito minha vida. Até tatuei o nome dele no meu braço. Nós éramos gêmoes e isso ficou marcado, mas hoje já superei. Eu mais do que os meus pais, que se culparam muito por isso. Ficou uma coisa marcada na nossa família, mas hoje em dia acho que de onde esle estiver ele está contente pelo que estou fazendo. Muito da minha conquista eu penso nele. Eu digo que todo mundo tem um anjo da guarda, e acho que o meu é ele.

Aos 26 anos, Michel Bastos vive o melhor momento da carreira. Vai disputar a primeira Copa do Mundo após ter jogado apenas três partidas pela seleção brasileira. O lateral do Lyon é o 14ª personagem da série de reportagens especiais do Jornal Nacional sobre os convocados pelo técnico Dunga.

Quando soube que sua mulher estava grávida de gêmeos, Argeu não titubeou: ao registrar as crianças colocaria nelas nomes de jogadores que marcaram a história do futebol. E também que estavam fortes em sua memória. A escolha, então, foi homenagear o francês Michel Platini e o argentino Daniel Passarella.

- Os nomes dos meus filhos foram em homenagem ao Michel Platini e ao Daniel Passarella. Fui muito fã dos dois – explicou o lateral-esquerdo da seleção brasileira.

A intenção de Seu Argeu já era iniciar a preparação para que seus filhos se tornassem jogadores. Deu certo apenas com Michel Bastos, já que Daniel morreu tragicamente.

- Eu sempre quis que meus filhos fossem jogadores, mas nunca forcei nada. As coisas, no caso do Michel, aconteceram naturalmente. No começo, na verdade, eu não entendia direito o que estava acontecendo. Todos me diziam que eu tinha um cheque em branco. Depois vi que ele tinha mesmo potencial – falou Argeu.

Apesar de recordar com carinho da vitória do filho no futebol, o pai de Michel Bastos relembra também o momento mais complicado na trajetória do garoto.

- O momento mais difícil da carreira dele foi no Grêmio. Acharam uma cerveja na concentração e colocaram a culpa nele. Eu disse a ele que se fosse culpado, era para assumir, mas ele me garantiu não tinha sido ele, que como era o mais novo no elenco (tinha 19 anos) serviu de bode expiatório – acrescentou o pai de Michel.

Se a perda do irmão foi um baque, a dificuldade financeira não dava descanso aos seus pais. A mãe chegou a preparar jantares para conseguir manter o filho no futebol. Mas se faltava dinheiro, sobrava amor e trabalho, em proporções parecidas. Ainda assim, lembrar dos tempos em que moravam na humilde casinha em Pelotas ainda arranca lágrimas dos olhos de sua irmã.

- Fome a gente nunca passou. Porque a minha mãe e o meu pai trabalharam muito. Mas olho para trás e vejo que a gente sempre foi muito feliz - disse Thaís, com lágrimas nos olhos.

Se os parentes choram, Michel sorri ao lembrar do passado, que de triste, na sua opinião, não teve nada. Cansado de pegar o pai de surpresa ao pedir um ou dois reais para comprar algo, o lateral resolveu pegar no batente. O primeiro emprego foi como ajudante de pedreiro, e o destino do primeiro salário foi um pão com mortadela e um copo de guaraná.

- Essa história de pedreiro meu pai e minha mãe sempre contam, até porque o primeiro dinheiro que peguei quando fui fazer um trabalho, fui dar para o meu pai e ele falou: 'Não, esse seu peimeiro dinheirinho você guarda'. Todo mundo fala disso. É uma lembrança muito boa, até por que fico grato de saber que meus pais dão valor a isso - relembrou.

Michel Bastos não é o único jogador da família. A irmã Jéssica, de 16 anos, sempre gostou de atuar nos campinhos de pelada e acabou iniciando a carreira no mesmo clube que lançou o lateral-esquerdo: o Pelotas. Segundo ela, o jogador do Lyon, da França, e da seleção brasileira serve de inspiração.

- Desde pequena, eu sempre joguei no colégio. A partir daí, o futebol virou a minha paixão. Claro que o meu espelho é o Michel e quero chegar à seleção como ele chegou – disse Jéssica.

Ao ser questionada sobre a semelhança de seu futebol com o do irmão famoso, Jéssica afirmou que Michel Bastos é melhor com a bola nos pés, principalmente pela diferença de posição. A menina contou ainda que os pais não aprovavam a sua decisão de ser jogadora.

- A minha mãe não aceitava muito. No fim, ela deixou eu ser jogadora porque eu queria correr atrás do meu sonho. O Michel sempre me apoiou. Quero seguir os passos dele – disse Jéssica, que viu o irmão também iniciar a carreira no Pelotas.

Apoio para Jéssica. Briga com Thais. Nos tempos de garoto, Michel era ciumento. A mais nova da família Bastos revelou que já teve problemas com o irmão por conta disso.

- Eu tinha uma prima que morava conosco e eu vivia com ela. Nós éramos muito jovens. Muito ciumento, ele corria atrás dela gritando: “eu vou te matar” – contou Thais.

Dos tempos no Colégio Sagrado Coração de Jesus, Michel guarda mais lembranças dos jogos na quadra dos fundos do que das provas em sala de aula. Ele não esconde que "nunca foi muito assim de escola", mas garante ter passado bons momentos com os colegas de classe e de peladas da Praça do Porto, palco de seus primeiros passos rumo à seleção brasileira.

- Foi lá onde tudo começou, desde pequenininho com meus primos e meus amigos. O campinho existe até hoje. Agora, como porofissional, vejo como foi difícil, por que é um campinho pequenininho, cheio de buracos, mas era ali que eu jogava minhas peladas, fazia minhas brincadeiras. Foi bem legal. Tenho boas lembranças - disse.

Se a escola não fez de Michel um médico, advogado ou engenheiro, serviu para que ele prometesse para os professores que um dia iria receber a maior honra para um jogador brasileiro, vestir a tão sonhada camisa amarelinha.

- Desde pequeno eu falava que o meu sonho era jogar na seleção brasileira. Hoje tenho essa oportunidade e acho que sou realizado por isso. Chegar à seleção brasileira é o ápice da carreira de um jogador. Estou realizando o meu sonho, o sonho dos meus pais, da minha esposa, do meu filho. Seleção brasileira é tudo - comentou.

De tanto jogar as peladas do bairro, o talento de Michel foi despertando as atenções. Já com dez anos, Michel era chamada de “cheque em branco” pelos amigos da família. O talento dele era visível.

Além de “cheque em branco”, o jogador tinha outros dois apelidos na infância. As irmãs costumavam chamar Bastos de “Mano”. Tudo por conta da super proteção que ele sempre deu às mais novas Jéssica e Thais.

- Ele sempre foi de conversar com as irmãs, de ajudar. Sempre foi um ótimo irmão, pronto para ouvir os outros – contou Natália.

O outro apelido de Michel Bastos foi dado pelo pai. Assim como o lateral-esquerdo da seleção brasileira, Argeu também atuou como profissional. Ao ser questionado sobre quem era o melhor, o patriarca da família não pensou duas vezes.

- Na minha época, eu era mais marcador. Não é ser coruja, mas o Michel é habilidoso e está aprendendo a marcar. Eu sabia marcar e ele sabe preparar uma bola. Eu chamo o Michel de mordomo internacional – contou o pai do jogador.

Aos 13 anos, a tia Neusa e o primo Cleber levaram Michel para uma peneira no Internacional. Eram mais de 500 meninos sendo avaliados. Apenas três foram selecionados. Michel Bastos estava entre eles. Mas como o clube gaúcho não oferecia alojamento, os pais decidiram levá-lo para o Pelotas Futebol Clube. Lá, ele deixa o meio e passa a jogar na lateral esquerda. Em 2001, atua pela primeira vez como profissional. Era o começo de uma carreira vencedora.

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